plural

PLURAL: os textos de Atílio Alencar e Fabiano Dallmeyer

  • Uma tarde no Vêneto*
    Atílio Alencar
    Produtor cultural

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    A rotina alterada pela pandemia fez de 2020 uma grande exceção no calendário dos nossos hábitos. Penso em coisas simples, mas que se tornaram impraticáveis desde março. Neste inverno, por exemplo, senti falta de percorrer a estradinha sinuosa que leva de Silveira Martins até o Vale Vêneto, distrito bucólico do município de São João do Polêsine. Gosto de fazer isso pelo prazer libertador da caminhada e pela certeza da satisfação que nos aguarda no Vêneto: poucas experiências são tão agradáveis quanto sentar no Bar da Dona Romilda, depois da travessia entre vales e montes, para comer a famosa torrada colonial acompanhada de um cálice de vinho, feito também ali, na colônia. Se tem algo do qual não se deve duvidar é do talento dos descendentes italianos para a arte de comer e beber bem.

    Uma vez por ano, quando acontece em Vale Vêneto o Festival de Inverno e a Semana Cultural Italiana (suspenso este ano por conta da pandemia), o panorama do pequeno povoado é alterado de modo significativo - são milhares de turistas que chegam dos mais diversos lugares, em busca dos atrativos culturais e gastronômicos promovidos pelos dois eventos conjugados.

    A música, carro-chefe do Festival de Inverno, ajuda a criar uma atmosfera quase onírica no vale. Nas janelas das casas, na igreja, nos pátios das escolas, nas mesas do bar - em todos os cantos, em cada esquina, vibram as notas que desenham a paisagem sonora do Vêneto.

    E haja apetite para tanta fartura sobre a mesa. Os banquetes de queijos, salames, massas e pães são compartilhados em grandes mesas coletivas, em rituais que remetem ao gosto ancestral dos migrantes, tão calejados em seu êxodo, por festejar a vida com a comilança que os maus tempos não permitiam. Temos a impressão que comer se torna, então, um rito propiciatório, uma espécie de orgia sagrada: comer com prazer e gratidão, para que a terra nunca deixe de ser fértil e generosa com as lavouras e vinhedos.

    Sob o efeito do vinho rústico da colônia, as pessoas confraternizam com uma alegria franca. Riem, dançam, celebram. Há algo de carnavalesco na extravagância com que aceitam a festa como a regra da vida durante um tempo tão breve quanto caloroso.

    Eu daria uma dica, talvez modesta e até previsível, tanto para quem vai ao Vale Vêneto durante o Festival de Inverno, quanto para quem prefere desfrutar da calmaria de um dia comum no povoado: não deixe de subir o Calvário, a colina que, apesar do suplício sugerido pelo nome, não é tão íngreme que não se possa vencê-la. Lá do alto, a vista é larga e a brisa traz as conversas de longe, dando a impressão de que somos observadores apartados do mundo, da vida que segue seu rumo em ritmo lento naquele vilarejo à deriva no mar dos tempos. Basta disposição para uma boa caminhada e - para quem aprecia - o estímulo de um cálice de vinho para dar vigor às pernas e distração ao pensamento.

    Mais do que um passeio, um exercício dos sentidos. Talvez seja isso, afinal, o mais atraente destas experiências: pôr-se a olhar, e também ouvir, o que a vida nos diz nas linhas e entrelinhas de cada paisagem.

    *Este texto foi originalmente publicado na página 8 da edição de segunda-feira, 14 de setembro de 2020.



    Um circo fechado com os palhaços de fora
    Fabiano Dallmeyer
    Fotógrafo

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    A pandemia está aí firme e forte. E, com ela, vamos, dia após dia, aprendendo, mas não só. É impressionante como este período está derrubando máscaras e mostrando melhor quem são as pessoas, conhecidas ou não. "São poucos os que pensam nos outros, poucos os que buscam a caridade, poucos os que possuem fé e menos ainda os com esperança.

    Porém, muitos os hipócritas e imbecis. "Na boa, se não quer ajudar aos outros, se calem e deixem quem pensa nos outros fazer seu trabalho." Estas são as palavras de um amigo em uma postagem em uma rede social. "O que mais ajuda, é quem não atrapalha". Não é? Sempre foi assim...

    O problema não é mais o vírus, o problema não é mais a quantidade de vidas ceifadas no mundo. Agora, o que mais importa parece ser a guerra política. Médicos brigando com colegas médicos contra protocolos por simples e doloroso viés político. Governadores e prefeitos mais preocupados com as brigas políticas e com foco nas eleições de 2022 do que com o povo. Principalmente os "deuses togados do STF" metendo os pés pelas mãos. Falta união. Falta empatia. Falta pulso firme. Falta o povo esquecer que existe esquerda e direita, cobrar de forma coerente. O Brasil está cada vez mais dividido, e as pessoas morrendo. E muitos preocupados com o que não deveria nem ser pauta num momento como esse.

    AFINAL, O ÓDIO

    Lembro de ler, há algum tempo, uma enxurrada de postagens nas redes sociais falando em "gabinete do ódio". Claro que a maioria dessas postagens vinha de seres com o mesmo viés político, e a tradicional hipocrisia e incoerência. Um exemplo? Claro, por que não?

    Na quinta-feira (18 de março), o senador Major Olímpio, com 58 anos, faleceu, e sua passagem repercutiu em todo o Brasil. Ele estava internado em São Paulo, desde o começo do mês, quando testou positivo para a Covid-19. Então, Beatriz e Maurício (não vou colocar aqui as "@'s" para não fazer publicidade para esse tipo de gente) em uma live com frases como "Lula Livre" e "Venezuela se respeta" como plano de fundo, gargalhavam, se divertiam ao comentar a morte do político.

    "Major Olímpio foi tarde, desgraçado, chegou atrasado no date com o capeta/ Que descanse em paz e que o diabo te carregue". Entre outras barbaridades, este era o teor da conversa entre os dois. No perfil da Beatriz, há tempos, ela escreveu:

    "Ninguém é obrigado a ser de esquerda nem a considerar Marielle Franco mártir de nada. É só respeitar a morte de outro ser humano e a dor de uma família de seres humanos. Questão de educação, de bons modos, civilidade. Será que nem isso dá pra ter neste país?"

    Enfim, a hipocrisia.

    O circo está fechado, e nós nos tornamos os palhaços trancados aqui fora.


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